Uso medicinal da cannabis: Em Vitória da Conquista e região, pacientes têm aderido cada vez mais ao tratamento através do canabidiol devido aos seus benefícios

Foto: Óleo de Cannabis usado por Melissa Viana. Foto: Arquivo pessoal
  • Thaty Miranda
  • Atualizado: 05/05/2024, 05:39h

A Cannabis Sativa, nome científico da maconha, é formada por uma série de compostos. Um dos principais é o canabidiol (CBD), atualmente utilizado na produção de medicamentos que trazem benefícios aos pacientes que possuem doenças crônicas.

O canabidiol pode aliviar dores causadas por lesões degenerativas, pela fibromialgia e até mesmo aquelas ocasionadas pelo agravamento de quadros de câncer. Para quem tem transtorno de espectro autista, por exemplo, pode proporcionar relaxamento.

Ainda pode ajudar nos casos de distúrbio de sono, como insônia, e também nos casos de saúde mental, como ansiedade generalizada, pânico, depressão e transtorno de estresse pós-traumático.

No Brasil, desde 2015 a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) permite a importação de produtos à base de cannabis. Em 2019, uma regulamentação da Agência permitiu a comercialização desses produtos em farmácias e drogarias.

Em 2023, 430 mil pessoas fizeram o uso dessas medicações no país. Contudo, ainda há muita desinformação e preconceito em relação a esse assunto.

A vida com o uso do canabidiol

Melissa Viana, 19 anos, de Vitória da Conquista, possui epilepsia de difícil controle desde os seis e faz uso do canabidiol em forma de óleo há cinco meses. Em entrevista à nossa reportagem, contou que a vida com a doença é um constante aprendizado.

“Há vários momentos dolorosos, e a percepção de suas limitações, sejam elas diárias ou ocasionais, é para mim o pior deles”.

A estudante, que é acometida tanto por crises de ausência, que são perdas súbitas e temporárias de consciência, que podem durar segundos ou poucos minutos, quanto por convulsões generalizadas, destaca que outro aspecto triste na convivência com a epilepsia é o estigma que a sociedade impõe ao portador, gerando preconceito e invisibilidade.

Uma das maiores dificuldades em sua vida escolar sempre foi a falta de inclusão por parte dos colégios. Mas como para ela desistir nunca foi uma opção, mesmo com alguns entraves, continuou firme na busca dos seus objetivos.

Já no ensino médio, Melissa encontrou no Colégio Estadual Abdias Menezes o acolhimento que precisava. Nesse mesmo período conheceu, por meio de um projeto estadual, as Simulações da ONU, eventos acadêmicos que simulam as discussões e negociações dos órgãos da Organização das Nações Unidas.

“Viajei pela Bahia participando e organizando várias simulações do Governo do Estado. Isso despertou em mim o desejo de seguir uma carreira na diplomacia”, afirma a estudante.

Na trilha do seu sonho, no ano passado Melissa começou a cursar Relações Internacionais na UNILAB, em São Francisco do Conde, mas precisou retornar à Vitória da Conquista neste ano, por conta das crises e da dificuldade de adaptação numa nova cidade, decorrente das limitações provocadas pela doença. Contudo, os planos de se tornar diplomata permanecem.

“Essas limitações e freios que encontramos na estrada são uma das coisas mais dolorosas na epilepsia, mas não é um ponto final. Ainda pretendo retomar os estudos, porém no curso de direito, para seguir o mesmo sonho que fez meus olhos brilharem aos 16 anos”, afirma.

Antes de iniciar o uso do canabidiol, Melissa passou por diversos tratamentos diferentes. Foram muitas tentativas de controlar o seu quadro. O mais recente é a combinação de três medicamentos: fenorbabital, depakene e lamotrigina, além do canabidiol.

Assim como qualquer paciente que passa por alterações em suas medicações, a estudante teve um pouco de medo quando o CBD foi adicionado, mas a expectativa de melhorias no seu quadro, logo o espantou.

“Sempre que há uma mudança no tratamento, o receio é algo inevitável. Porém estava com muitas crises descontroladas, então o receio se tornou mais uma esperança do que qualquer coisa”, diz Melissa.

Apesar de ainda estar na fase de adaptação, Melissa já pôde perceber os efeitos do tratamento com canabidiol. Ela destaca que ele vai evoluindo aos poucos, por partes, se ajustando até a paciente achar a dose necessária para o uso.

“Acredito que assim que estiver ajustado da melhor maneira, minha vida se tornará bem mais tranquila, não só de crises convulsivas, como as de ansiedade, que quase todas as pessoas com epilepsia carregam consigo também”.

Frederico Menezes Gomides é clínico geral e atua prescrevendo a cannabis há mais de um ano. Com mais de 100 pacientes, já tratou dores crônicas, insônia, ansiedade, epilepsia, fibromialgia e Alzheimer. Para ele, a planta é uma importante aliada.

“Na visão clínica o uso medicinal da cannabis é um ótimo tratamento alternativo para doenças de difícil manejo. Entretanto, é sempre importante lembrar que não é uma cura milagrosa”, afirma.

Quanto ao medo que algumas pessoas têm de fazer o uso medicinal da cannabis e se viciar, o médico tranquiliza: “Por ser uma medicação fitoterápica não existe esse risco, e por ser administrada em conta é bem prático realizar o desmame”.

Da importação às associações e ao SUS

Com o objetivo de educar, esclarecer e desmistificar o uso medicinal da maconha, pais, parentes e pacientes fundaram, em julho de 2023, em Vitória da Conquista, a SativaMente, uma Associação Multidisciplinar de Pesquisa e Apoio a Pacientes de Cannabis Medicinal. A única da região Sudoeste, ela atualmente atende cerca de 200 pacientes, não apenas da região, mas também de várias outras cidades do país.

Ricardo Gusmão, gestor ambiental, técnico agrícola e consultor, além de elaborador de planos de cultivo, é o presidente da SativaMente, que facilita o acesso ao óleo de cannabis. Ele conversou com a reportagem da Mega Rádio VCA e explicou que para produzi-lo legalmente não é necessário ter uma associação, mas tanto uma associação quanto um paciente precisam de um Habeas Corpus para plantar, colher e produzir o óleo.

“A SativaMente oferece apoio técnico e jurídico para pacientes que buscam autorização judicial, via habeas corpus preventivo, para produzir seu próprio medicamento por meio de cultivo doméstico”, destaca Ricardo.

Além do presidente, a equipe multidisciplinar e de acolhimento da associação conta com um advogado criminalista, uma fisioterapeuta neurofuncional, especialista e prescritora de cannabis medicinal, além de um psicólogo clínico e terapeuta comportamental cognitivo.

Para ter acesso à medicação, o paciente deve, obrigatoriamente, apresentar a receita médica.

Em uma pesquisa rápida pela internet, é possível encontrar nas drogarias o canabidiol com valores entre R$ 300,00 e R$ 2 mil, dependendo de quantos mg/ml há no frasco. De acordo com dados da Kaya Mind, empresa especializada em inteligência de mercado para o setor da maconha, em 2023, o valor médio de um pequeno frasco de óleo importado individualmente variava de aproximadamente R$ 480,00 a R$ 776,00 nas farmácias.

A partir deste mês de maio, medicamentos à base de cannabis serão entregues a pacientes de três patologias pela rede pública de todo o Estado de São Paulo. É a primeira vez que o Sistema Único de Saúde inclui o composto na sua lista de tratamentos.

Acre, Alagoas, Amapá, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Tocantins também aprovaram leis para garantir o fornecimento de medicamentos à base de cannabis pelo SUS.

No Estado de São Paulo, receberão gratuitamente os remédios portadores da Síndrome de Dravet, que é um tipo de epilepsia grave, de difícil tratamento e que causa deterioração motora e cognitiva, e se manifesta já no primeiro ano de vida; da Síndrome de Lennox-Gastaut, uma forma rara de epilepsia que também pode surgir na infância e provoca, além de convulsões, atraso no desenvolvimento motor, prejuízos na aprendizagem e problemas comportamentais; e de Esclerose Múltipla, que é uma doença neurológica autoimune crônica, em que o sistema imunológico destrói a camada protetora dos nervos que quando lesionados causam distúrbios na comunicação entre cérebro e corpo.

Questionado se o fato de a rede pública de São Paulo passar a distribuir medicamentos à base de canabidiol para essas três doenças também traz uma expectativa de que em breve o SUS em todo o país faça essa oferta, o médico Frederico Menezes diz acreditar que a medida apenas inicia o debate do uso da medicação pelo SUS.

“Considerando o SUS em escala nacional, ainda está muito longe de se tornar viável. Isso é mais um motivo para continuar lutando pela pauta e a Conferência Nacional da Cannabis Medicinal é prova disso”.

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