Pelourinho vazio: comerciantes fecham as portas e demitem até 40% dos funcionários

Empresários denunciam descaso do poder público com a segurança e coordenação do local

Wendel de Novais para Jornal CORREIO. 

Quem nunca ouviu falar da 'Terça da Benção' no Pelourinho? A tradição, que tinha o costume de encher as ruas do Centro Histórico de Salvador mesmo em dia de semana, agora está esvaziada. Esse esvaziamento  de um dos maiores símbolos de movimentação cultural da área engrossa o caldo de um fenômeno mais amplo, e os motivos apontados pelos comerciantes são a falta de segurança e a ausência de agenda permanente de eventos fora da alta estação.

Sem gente, quem trabalha no Pelô vê as contas irem de mal a pior, precisa demitir boa parte dos funcionários e até fechar o estabelecimento. "Não tem gente, lojas estão fechadas, bares também", descreve Paulo Rogério Nunes, que é empresário no Pelô.

O caso mais recente de violência foi o assalto a dois turistas da Romênia no sábado (22) agredidos enquanto visitavam o Centro Histórico. Depois do episódio, o ator baiano Érico Brás lamentou a situação do local, onde mantém o restaurante Ó Paí Ó: “Chorei pelo estado que está esse lugar chamado Pelourinho. Largado, abandonado, sujo, sem segurança e vítima da ausência absoluta da PM e da vontade política de resolver os problemas desse Centro Histórico tão benquisto pelo Brasil”, escreveu ele, no Instagram.

Leonardo Régis é proprietário do Casarão 17, empreendimento também localizado no Terreiro de Jesus. Ele não sabe dizer quantos, mas explica que diversos pontos comerciais da área fecharam por conta do problema. Além disso, Leonardo diz que é um dos que precisaram fazer adaptações para seguir funcionando no Pelourinho.

"A gente precisou reduzir o quadro de funcionários em 40%, assim como também o tempo de funcionamento. Antes, íamos até as 23h, agora só até as 17h. Não tem uma movimentação econômica que sustente uma equipe maior. A gente segura no braço quem permanece, porque não é fácil", fala ele.

Descaso

Além da falta de movimentação, deixar o ponto aberto até mais tarde não é negócio, porque representa um risco. Um empresário que coordena duas lojas no local e prefere não se identificar diz que, antes, fechava às 21h. Pelos episódios de furtos e assaltos que viu até contra seus colaboradores, precisou ir reduzindo até chegar às 18h. 

"Os furtos são constantes, e a segurança também é falha. Tem dias que só tem um policial em certos horários e, às vezes, nenhum. Funcionários são ameaçados dentro do estabelecimento, roubados nos pontos de ônibus, onde não existe nenhuma segurança", afirma ele, que reclama também das abordagens, muitas vezes agressivas, de pintores tribais e ambulantes. 

Protesto

Presidente da Associação do Centro Histórico Empreendedor (Ache), José Iglesias Garcia, proprietário do Restaurante Cuco e da pousada Solar dos Deuses, diz que não há vontade política para mudar a situação. Por isso, moradores, colaboradores e empresários organizam um ato pacífico para protestar contra o descaso com o Pelô no dia 8 de maio.

"Não é normal. Estamos falando do principal atrativo que essa cidade tem. Há uma quantidade enorme de problemas que a gente precisa lidar, seja de segurança, de eventos, de abertura de pontos importantes como o Elevador Lacerda que fecha cedo e os funcionários não conseguem pegar", fala o empresário.

A ausência de agenda permanente e o funcionamento dos equipamentos culturais também é uma questão para os empresários.

"Precisa de um plano que apoie o funcionamento do Pelourinho também na baixa estação, seja em eventos, seguranças e até a execução de eventos das secretarias no Centro Histórico. Por que fazer isso no Rio Vermelho, Barra e Pituba? São bairros que já têm movimento. O Pelourinho pode receber, tem espaços para isso", sugere Paulo Rogério Nunes. 

Potencial desperdiçado

Paulo pede também que exista um plano concentrado em fazer do Pelourinho não só um local movimentado na alta estação, no verão da cidade onde há um fluxo intenso de turistas na cidade. "Precisa pensar o Centro Histórico o ano todo. Dá para pensar eventos culturais, gastronômicos e musicais para movimentar e fazer disso aqui algo produtivo o ano inteiro. Há potencial para isso no Pelourinho", fala ele.

Quem corrobora com o discurso é Leonardo Régis. Ele explica que há uma série de 'players' e marcas que poderiam ocupar o Pelourinho e fazer dele um espaço atrativo durante dia e noite fora da alta estação. "Muitas marcas grandes vêem de forma positiva a entrada no Centro Histórico se ele de fato funcionasse da maneira que deveria", afirma Régis.

"Com ordenamento, organização e segurança, muitos querem se instalar na área. Poderia ser um dos maiores planos de desenvolvimento econômico da cidade por seus museus, seus espaços e os empreendimento que ali funcionassem", completa o empresário, que vê no Pelourinho uma possibilidade de ser exemplo para o mundo.

José Iglesias compartilha do pensamento Régis em relação ao potencial que o Pelourinho guarda para atrair pessoas tanto ao longo do dia como durante a noite. Ele, porém, entende que a mudança de tratamento de episódios de furto e roubos precisam ser tratados de maneira diferente.

"A gente tem um potencial enorme, pode ser muito melhor e não é complicado. O poder público precisa olhar de forma mais atenta. Na questão de segurança, por exemplo, existem dezenas de meliantes que cometem furtos, roubos e são pegos. Porém, são liberados e voltam a fazer a mesma coisa aqui. Isso precisa mudar", finaliza o empresário.

Respostas

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que o Pelourinho e o Centro Histórico de Salvador possuem um grande aparato de forças policiais. O órgão salientou a existência do 18° Batalhão da Polícia Militar na região, com efetivos distribuídos a pé e também em viaturas (Bases Móveis do tipo van, carros convencionais e motocicletas), além da Delegacia de Proteção ao Turista (Deltur).

A pasta afirmou também que os principais pontos contam com o Sistema de Reconhecimento Facial, que impede a circulação de criminosos foragidos da Justiça. E, por fim, destacou que “ações diárias são realizadas na região, resultando, na maioria delas, em apreensões de adolescentes que cometem furtos e roubos. Os menores, ao serem liberados, como determina a legislação, retornam à região”.

A Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBa) explicou que a sua atuação se dá na dinamização dos espaços culturais do estado localizados no Pelourinho. Na nota, disse ainda que os largos, museus e ações culturais são apoiados pela SecultBa, como os largos Pedro Archanjo, Tereza Batista e Quincas Berro D’Água, estão funcionando plenamente, com a realização de atividades semanais. A Secretaria de Cultura e Turismo de Salvador (Secult) também foi procurada para responder sobre o assunto, mas não retornou até a publicação desta reportagem.

A Polícia Militar da Bahia reforçou que “o patrulhamento no Pelourinho/Centro Histórico de Salvador é desempenhado pelo 18º Batalhão de Polícia Militar, que emprega policiais, base móvel e viaturas, com o reforço de guarnições da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT) Rondesp BTS e de unidades especializadas da PM, a exemplo do Batalhão Especializado de Polícia Turística (Beptur)”.

A PM informou ainda que realiza rondas de caráter preventivo, que levam em consideração o número de acionamentos e ocorrências registradas em cada localidade. 

Sobre os ambulantes da área, a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop) já promoveu uma ação com o objetivo de coibir abusos contra visitantes e moradores do município por ambulantes sem cadastramento. Também fez o ordenamento dos trabalhadores do mercado informal no Centro Histórico de Salvador.

Foto: Arisson Marinho/ CORREIO.

Comentários


Instagram

Facebook