Infiel

  • Maiana Pereira

Talvez eu esteja atrasada no timing para citar o acontecimento que comento hoje, mas garanto que ele é atual. Mais ainda: garanto que em algum momento da sua vida você viveu ou viverá um dilema relacionado ao tema de hoje. Infidelidade e traição são temas de boa parte da produção humana e mobilizam muitos afetos sempre que citados. Como lidar com a situação? É possível não se afetar?

Na semana do Carnaval surgiram comentários bastante afetados sobre traição entre um casal de jornalistas esportivos da Globo. A fofoca envolveu a traição de um homem com a amiga, confidente e madrinha de casamento da atual ex-esposa. Todos os detalhes do imbróglio ganharam análises e pitacos de internautas revoltados que afirmavam que com toda certeza nunca fariam algo parecido.

Os comentários foram tantos que existem boatos que a emissora está os monitorando e que isso pode afetar o novo casal. Mas eu não estou preocupada aqui em falar sobre o affair deles. O que me importa mais é porque é tão difícil ouvir uma história como essa e não se sentir afetado ou querer emitir uma opinião a respeito.

Somos indivíduos sociais e é característico da nossa espécie envolvimentos amorosos. Pensar no relacionamento alheio nos leva a pensar sobre os nossos próprios e como é algo importante para nós dificilmente isso poderia não provocar uma reação. Pensar no que aconteceu com o outro me leva a pensar que poderia ocorrer comigo e a possibilidade assusta. A monogamia é o contrato de relacionamento mais habitual em nossa cultura, e coisas que fogem a ela geralmente precisam ser combinadas explicitamente. Mas se engana quem acha que relações não-monogâmicas estão isentas de traição.

Relacionamentos amorosos são contratos sociais e, como tal, existem regras. Envolvimento sexual com outras pessoas não é visto por todos como um problema, mas casais que vivem a não-monogamia ainda sim podem limitar como este tipo de contato deve ocorrer para que não seja visto como infidelidade. Um exemplo são acordos que excluem conhecidos, amigos ou antigos namorados das relações permitidas fora do relacionamento. Talvez esse limite não se resuma ao contato sexual e contemple outros tipos de ligação (e isso vale para relações monogâmicas também). Envolvimento afetivo, confidenciar coisas do relacionamento com o outro e outras formas de aproximação podem ser considerados traição por alguns parceiros, ainda que não exista contato físico algum. Depende do combinado do casal.

Imagem: Reprodução. Cena de Ross e Rachel na série “FRIENDS”.

Um dos plots mais conhecidos e polêmicos da série FRIENDS se refere ao casal Ross e Rachel. A namorada pede “um tempo” que é interpretado como “término” por Ross. Na mesma noite em que isso ocorre o homem fica com outra mulher e o acontecimento é descoberto por Rachel que o acusa de traição. Surge assim o “mas estávamos dando um tempo!”, frase repetida por Ross várias vezes ao longo da série. Ele acreditava não ter traído porque entendeu que o relacionamento estava terminado. Ela sentia que houve quebra de confiança e infidelidade dele por ter se envolvido rapidamente com outra pessoa quando ela ainda não tinha fechado completamente as portas entre eles. Nenhum dos dois queria renunciar à própria opinião.

Como diz o ditado, combinado não sai caro. Relacionamentos envolvem pelo menos duas pessoas e todos os envolvidos devem ter voz e poder. As temidas DRs (discussões de relação) são meios não só de resolução de conflitos entre casais como também de prevenção e manutenção da saúde do relacionamento. É preciso falar sobre o que se espera da relação, quais são os limites aceitáveis e o que não pode ser aceito de maneira alguma. É preciso saber o que o parceiro pensa e aceita, e isso pode ser revisto em vários pontos do relacionamento conforme necessidade do casal.

E quando o parceiro escolhe romper o combinado? Existem vários motivos que podem levar isso a acontecer. Sei que muitos gostam de pensar que nunca ocorreria consigo, mas honestamente não acho possível evitar a atração por outro. Sentir e fazer, no entanto, são coisas diferentes e dependem de uma escolha. É possível que o parceiro que trai não queira repetir, é possível que ele queira prosseguir, é possível que decida encerrar o relacionamento por isso, é possível que ele espere que o traído decida o que deverá ser feito. São inúmeras possibilidades. Mas destaco aqui uma coisa: é possível que essa não seja a ação que vai finalizar o relacionamento.

Escolher prosseguir a relação deve ser uma escolha do casal e muito conversada. O parceiro pode querer saber até onde foi o envolvimento, quais os locais, quem sabia, se pode ter sido ou não exposto à ISTs. Cabe ao casal conversar e decidir juntos o que é justo ou não ser compartilhado e quantas vezes isso pode ser conversado. Informações sobre o uso de proteção, por exemplo, são importantes para o parceiro não apenas por curiosidade, mas também por segurança. É importante também, caso seja desejada a continuidade do relacionamento, que se fale da responsabilidade sobre o caso. E esta sempre diz respeito a quem decidiu trair, ainda que o relacionamento não estivesse saudável.

A infidelidade terá impacto no relacionamento. Existirão consequências para ambos. Os parceiros traídos podem experimentar sensações similares àquelas vividas por quem passou por um trauma grave. E isso pode ser sentido independente da descoberta ter sido traumática.

Christensen, Doss e Jacobson (2018) citam como sintomas comuns: “pensamentos constantes e intrusivos sobre o caso, a incapacidade de experimentar as emoções que você normalmente vivencia, ou ficar muito atento e super vigilante, e ficar, por exemplo, examinando o seu parceiro para ter mais provas sobre o assunto”.

É preciso paciência de ambos os parceiros, para lidar com a insegurança do traído, para voltar a confiar no parceiro. Para aqueles que não conseguem resolver sozinhos a terapia de casal é recomendada. Serão conversas difíceis, mas importantes. Relacionamentos totalmente saudáveis em geral não levam à traição, e caso se deseje continuar é preciso reparar isso. É claro que pode se escolher terminar. Curar isso através do tempo, das milhares de músicas, séries e filmes produzidos sobre o assunto, curar através do que quer que você precise. Com ajuda dos amigos, com ajuda da terapia, com ajuda de si mesmo. Desejo a você que está na sofrência uma boa cura. Que isso não te feche para o amor.

 

Christensen, A., Doss, B. D., & Jacobson, N. S. (2018). Diferenças reconciliáveis: Reconstruindo seu relacionamento ao redescobrir o parceiro que você ama, sem se perder. Sinopsys.


Maiana Pereira

Psicóloga, baiana, feminista e palestrinha que ama dar um pitaco. Falo sobre os cotovelos sobre tudo que me move. Sou daquelas que a vida tem uma trilha sonora própria. Quero saber mais, ouvir mais, ver mais, ler mais, ver como cada contexto se relaciona. Vem comigo?
Conheça também meu site https://www.maianapereirapsi.com/

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