Servir e ser servido: a sutil conexão com o racismo no BBB

  • Laís Sousa

Foto: Globo

A "implicância" com Davi no BBB 24, mesmo ele sendo tão proativo em benefício do coletivo ao assumir a tarefa de cozinhar, me “gatilha”, fazendo lembrar de uma frase que ouvi bastante na minha infância e adolescência: “Quem não serve para servir não serve para viver”. Alguns atribuem a autoria a Gandhi, outros afirmam que foi dita por Jesus. Lembro-me de vários líderes usarem-a para despertar o voluntariado e a disponibilidade das pessoas. Lembro de ouvir até quando pais expressando autoridade desejam ser "reconhecidos"...

De lá para cá, já se passaram décadas, e experiências um tanto tóxicas de trabalho me fizeram questionar: “Então, eu só tenho valor se servir?” ou “Eu valho pelo que faço, e não por quem sou?”. No caso de Davi, ainda servindo, a existência dele parece ter um valor "descartável" na casa. A conclusão é: Não valemos pelo que fazemos, no máximo, agregamos valor à nossa vida e à vida de outros quando fazemos. Então precisamos decidir quem vai pagar o preço...

Mais do que a autoria ou o contexto, ao longo do tempo a sentença "servir" tem muita "serventia". O que está por trás dela? E ainda, a quem interessa servir ou ser servido? Há quem considere servir como "fazer o bem, não importa a quem"; ajudar, doar, auxiliar, dar a mão de forma filantrópica; no seio familiar, servir pode remeter a amar, se relacionar; na religião se atrela a obediência, compromisso, privilégio; no militarismo a ideia faz ocupar funções que levam pessoas a passarem a vida "servindo" à pátria; na área de saúde, está ligado a tratar, cuidar, amparar; enquanto para serviços de alimentação e bebida é por a mesa ou na mesa, uma espécie de arte; Em se tratando de funcionalidade, um produto serve quando é útil e se não desempenha mais suas funções, "não serve mais"; bem próximo a isso, em assuntos profissionais, servir é prestar serviços, cumprir deveres, agir com responsabilidade, iniciativa, ter utilidade, fazer coisas úteis, vender ou fornecer algo.

Em todos os sentidos, servir é “desempenhar as funções de”, seja no papel principal ou em substituição. Servir é atitude, ação... é trabalho! A palavra também está relacionada com serventia, serviçal, servidão, escravidão*, servilismo, subserviência, ser inferior. Faz sentido que eu tenha relacionado com o que tem acontecido com Davi e que um ou seis brancos em rodinha de bate-papo "desconsiderem" a recorrência do racismo?

Pois é, existem verdadeiros exemplos de pessoas que se colocam, ou se colocaram, a serviço de uma causa, ou a serviço daqueles que gostam de seu trabalho como Martin Luter King, Gandhi ou Madre Tereza. Servir tem sim a ver com altruísmo, enquanto ser servido tem a ver com egoísmo. É preferível estar junto e realizar algo com pessoas que procuram ajudar outras pessoas e que se sentem bem com a felicidade dos outros do que com as que só pensam em si, claro. Davi tende a aclamação nacional enquanto Wanessa Camargo à rejeição. Mas, como bem canta Engenheiros do Hawaii, "nessa terra de gigantes, que trocam vidas por diamantes" é preciso adequar o valor como preço. Servir pode ganhar conotação de ser besta ou bobo quando quem é serviço se acha no direito de exigir, reclamar e desvalorizar...

"Quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante, mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente". E ouso complementar Legião: a doença que nos assola é o racismo e ele não nos permite uma dialética entre servir e ser servido. Quem nos dera retirar a condição lamentável de servidores, que sofrem com pouco reconhecimento, muitas exigências e mal agradecimento, sem recompensas à altura do esforço despendido; e dos servidos, que querem sentir o poder, conforto e até carinho na ação dos outros, mesmo que não pague, não agradeça e não retribua.

Impossível não atrelar a nossa História, para que não se repita. Não atrelar a cor, para que as diferenças sejam de fato respeitadas e não enquadradas em lugares e posições que não cabem, ainda que ser raivoso e reativo caiba muito bem para a situação pela qual nosso brother está sendo submetido e enfrentando naquele convívio televisionado. Enquanto "servir e ser servido" não acontece e está longe de acontecer em relações mútuas de respeito e aceitação, quando se envolve ser negro, não é uma possibilidade ou solidariedade…É imperativo, Davi: não servir ninguém!


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
@laissousa_
laissousazn@gmail.com

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