Crianças e a esperança que deve durar mais de uma noite

  • Laís Sousa

Crianças em enterro de amigos de 13 anos morto em operação policial no RJ. Foto: Selma Souza

Por Laís Sousa


Assisto ao Show Criança Esperança desde que Didi, o Renato Aragão, estava à frente e eu, criança, me esforçava para me manter acordada. Nesta edição, apresentada por Ivete e Mion, transmitida à noite de terça (08) e eternizada na plataforma Globoplay, a esposa comentou que o Didi ficou chateado por não ter sido nem ao menos convidado. Imagino a tristeza, porque muito mais que eu, ele fez ali um legado e deve fazer questão de aproveitar a vida vendo aquilo de perto!

Empenho artístico em prol de causas nobres sempre me alcançaram, de forma que nunca precisei passar por nada do que a maioria dos depoentes compartilham sobre como projetos de incentivo, auxílio e apoio são transformadores em suas vidas. Fui uma criança, negra de pele clara, mas privilegiada! Crianças poderem vislumbrar um futuro me parecia tão óbvio por tanto tempo que eu precisava me deparar com outras realidades. Um show torna fantasioso a necessidade de se mover em prol de que sonhos se tornem realidade. Se não for pelas crianças, há quem valorize espetáculos e seja influenciado por admiração…

Pude ter esperança no futuro de crianças por uma noite da mesma semana em que fui impactada por imagem de crianças que não foram poupadas do luto pela perda de um dos amigos cuja vida, de 13 anos, foi ceifada com 5 tiros da PM em operação na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, que não satisfeitos alteraram a cena do crime e simulam uma troca de tiro, segundo moradores. Para muito além de ver pessoas periféricas e de mesma cor, como Ludmilla e Léo Santana, ascenderem e ocuparem palcos grandiosos, aquelas crianças, que não convivem com o fantástico, o lúdico, não tem fantasia, precisam ver, desde muito cedo, que têm um tratamento diferenciado destinado pelo Estado, pela sociedade.

Como cada país tem a Beyoncé que merece, entra a boiadeira Ana Castela em pé num cavalo mágico para cantar com o denguinho que é João Gomes e os donos do hino nacional, evidentemente Chitãozinho e Xororó. O menino Thiago Menezes Flausino, no entanto, não pôde terminar seu caminho na garupa de uma moto para seguir na vida.

Diferente de um espetáculo que acontece há anos, para uma criança de favela, a morte não tem pompa, solenidade ou comoção. Imagine que junção histórica e poderosa é reunir a trindade da infância feliz - Xuxa, Angélica e Eliana (quem divulgou outra ação solidária, o Teleton da SBT, na Globo)?! Parece sonho. É nostálgico para quem pôde viver, pôde crescer. Mas lá e em tantos outros lugares onde se “perde” meninos, crianças se olham sabendo que alguém ali não vai crescer. Não deixarão. Se é esse ou aquele não dá pra saber. Por isso, é f*da ter metas, planos, sonhar…

Desde pequeno é caixão e vela, medo, covardia e esculacho reduzindo a nada todos ao redor. Uns a nada absoluto, com a morte, e outros a nada relativo, afinal, poderia ser qualquer um. Simples assim. Como se contemplando a reunião inusitada de Dilsinho, Fábio Júnior e Zeca Pagodinho, de repente, chegasse ao fim.

Enquanto Alcione, Liniker, Baco e Péricles dão banho de consciência, reflexo da resistência, Gil do Vigor e MC Carol exibem o astral de raíz, aproximando à cor, força e verdade que tem quem vem lá… crianças aprendiam de forma crua e fria que não importa se está fazendo o certo. Não tem essa de justiça, de segurança, de direitos, de cidadania, de civilização. Não tem essa de estudar para ser alguém no futuro. Tem futuro? Tão incerto que nem dá para ter tanta esperança assim por uma noite.

Quero que essas crianças cresçam e sejam capazes de amar, de acreditar em si próprias, lutar. Eu sei que, manter a fé a nível “todavia me alegrarei” de Sarah Beatriz não dá, mas dá pra tomar doses homeopáticas em altos e baixos, sem desistir, como Negra Li.

A arte salva como algumas forças, armadas, não asseguram. Que vidas como as de Thiago possam ser amadas como Gal Costa, que foi homenageada por Preta Gil. Que crianças como Thiago tenham tempo de fazer história como fez Rita Lee, para ser homenageada por Ivete, rodeada de crianças, com a certeza de que fez muita gente feliz. Que a gente vote certo, como clamou Xuxa, ou ligue 0500 2023 007 para doar. Mas que, sobretudo, a criança que fomos possa se ver nas crianças que merecem crescer como nós. Esperança para elas, esperança por nós.


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
@laissousa_
laissousazn@gmail.com

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