Apraxia da fala em crianças com T21: especialista explica sinais, diagnóstico e caminhos para o desenvolvimento

  • Júnior Patente
  • Atualizado: 10/12/2025, 10:44h

A apraxia da fala ainda é um tema pouco compreendido por muitas famílias e até por profissionais da educação, especialmente quando se trata de crianças com Síndrome de Down. Para esclarecer dúvidas, o programa recebeu a fonoaudióloga Luciana Cordeiro Felipetto, especialista em Linguagem e Fonoaudiologia Educacional, doutoranda e mestre em Ciências da Educação, além de autora de diversas obras sobre desenvolvimento da linguagem.

Durante a entrevista, Luciana explicou que a apraxia da fala é um transtorno motor de fala, no qual a pessoa “sabe o que quer dizer”, mas encontra dificuldade para planejar e executar os movimentos articulatórios necessários para produzir os sons.

Em crianças com Síndrome de Down, o quadro pode ser mais prevalente, mas não é regra. “Nem toda criança com T21 vai apresentar apraxia. Porém, como já existe maior vulnerabilidade muscular, sensorial e orofacial, há um risco aumentado”, explicou.


Como identificar a apraxia da fala?

Um dos principais desafios é diferenciar a apraxia de um simples atraso de linguagem — confusão comum entre professores e familiares.
Segundo a especialista, no atraso de linguagem há dificuldade em adquirir palavras, conceitos e formar frases, mas não existe prejuízo no planejamento motor da fala.

Já na apraxia, há inconsistência:

  • a criança pronuncia a mesma palavra de maneiras diferentes,

  • tem dificuldade para iniciar a fala,

  • apresenta alterações na articulação e coarticulação,

  • pode demonstrar fala “arrastada” ou sem padrão sonoro fixo.

“Enquanto uma criança com atraso troca o mesmo som de forma sistemática, a criança com apraxia não mantém padrão. Ela tenta, mas não consegue executar o gesto articulatório”, pontuou Felipetto.


Não existe causa única — e nem relação direta com a Síndrome de Down

Luciana explica que a apraxia não é causada pela Síndrome de Down. Trata-se de uma condição que pode ocorrer por questões de neurodesenvolvimento ou alterações no córtex motor da fala, podendo — ou não — estar associada ao T21 ou ao autismo.

“A Síndrome de Down apresenta fatores que tornam essas crianças mais vulneráveis — como alterações musculares e proprioceptivas —, por isso a prevalência é maior. Mas a apraxia pode existir isoladamente”, afirma.


Como é feito o diagnóstico?

A avaliação deve ser conduzida por um fonoaudiólogo especializado em fala e motricidade orofacial, áreas específicas dentro da profissão.

O processo envolve protocolos validados cientificamente e análise de diversos aspectos:

  • tônus e funcionalidade da musculatura orofacial;

  • articulação e coarticulação dos sons;

  • repetição de sequências como pa-ta-ka;

  • entonação, inteligibilidade e consistência da fala;

  • capacidade de iniciar e organizar a produção verbal.

A inconsistência sonora — marca registrada da apraxia — é um dos principais indicativos.


Intervenção: pistas, repetição, tecnologia e envolvimento da família

O tratamento exige abordagem específica, incluindo pistas táteis, auditivas e visuais, além de exercícios diários de repetição.
“Cinco a dez minutos por dia já fazem diferença”, destaca Luciana.

Ela também ressalta a importância de métodos baseados em evidências, como PROMPT e REST, selecionados conforme a necessidade de cada paciente.

Nos casos mais intensos ou em crianças não verbais, entra a Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) — pranchas, figuras e recursos visuais que facilitam a interação.

E derruba um mito:

“A CAA não atrapalha o desenvolvimento da fala. Pelo contrário, pode potencializar.”

A tecnologia também pode ser uma grande aliada. Vídeos, aplicativos e até inteligência artificial ajudam a fornecer pistas auditivas e visuais que favorecem o planejamento motor.


A força da família no processo

Para Luciana, nenhum tratamento acontece sozinho.

“O tripé família–escola–profissional precisa estar alinhado. A família é ponto chave”, reforça.

Criar um ambiente estimulante, motivador e afetivo, segundo ela, faz diferença significativa no desenvolvimento da linguagem. Mais do que técnica, é preciso acolhimento.


Mensagem final às famílias

A fonoaudióloga encerrou a entrevista com um recado direto:

“É essencial que as famílias acreditem em suas crianças. Apraxia não é preguiça. Não é falta de vontade de falar. É uma dificuldade real, neurológica. Ao oferecer apoio, afeto e estratégias adequadas, avançamos muito. E comunicação é muito mais do que fala: é gesto, é expressão, é vínculo. Cada pequena conquista importa.”

 

Assista a entrevista na íntegra: 

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