Na FliConquista, Daniel Munduruku nos faz pensar sobre tempo circular e do presente, o tempo da natureza

Daniel Munduruku na FliConquista. Foto: Danilo Souza
  • Por Fábio Agra
  • Atualizado: 17/11/2023, 01:06h

O escritor, ator e pesquisador Daniel Munduruku abriu a tarde de quinta-feira (16) da FliConquista. Em sua fala que perpassou por questões filosóficas sobre a natureza e sobre a formação do pensamento brasileiro a partir de uma ideia de mundo hegemônica do Ocidente, Daniel Munduruku nos apontou caminhos para uma descolonização não só do pensamento, mas também da própria ideia de tempo.

A transgressão do tempo, de alguma maneira, também já havia atravessada a palestra de abertura do professor, advogado e historiador Ruy Medeiros, na noite anterior, quando, ao homenagear Camillo de Jesus Lima, trouxe sua poesia para o presente.

Como se agora fosse um aprofundamento conceitual sobre o tempo, Daniel Munduruku ressoou o tempo circular da natureza em metade de sua fala de uma hora. Ao pôr em contraposição o tempo indígena e o não-indígena, ao apontar este, como tempo ocidental, como o tempo linear, o tempo do relógio, que se faz como uma linha reta sempre apontada para frente, Daniel Munduruku abre algumas portas para entendermos o mundo por uma outra cosmovisão.

Diferentemente de pensar a partir da lógica de que sempre é necessário avançar, como se o ser humano precisasse alcançar um futuro já preparado para si, Daniel Munduruku nos faz refletir sobre um tempo circular, o tempo da natureza, em que ela, e nós como sua parte inerente, se desdobra para dar espaço ao que a cerca, dentro de uma coletividade, como pensam os povos indígenas.

“O tempo indígena é um tempo diferente. O tempo indígena não é o tempo do relógio. O tempo indígena é o tempo da natureza. E diferente do relógio que corre para frente, a natureza é um relógio que corre para trás. Ela faz o movimento anti-horário. A natureza se desdobra sobre si mesma o tempo todo para dar espaço para que ela se projete para a frente, para que ela continue no seu caminho. A natureza não dá salto, como dizemos. A natureza segue seu compasso. E sobretudo, a natureza tem esse, digamos, espírito mais coletivo do que o espírito do tempo do relógio, que cada um é dono do seu tempo. Na natureza, todos os seres movidos pela força da natureza formam um grande coletivo que a gente pode chamar de movimento sistêmico. Na natureza não existe um centro de vida sozinho”, diz o escritor.

Daniel Munduruku em palestra na FliConquista. Foto: Danilo Souza

O tempo linear, inscrito pela modernidade, como nos diz também Walter Mignolo em seu livro “Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade”, nos põe diante de perguntas sobre o futuro egocêntrico que nunca nos dá respostas. Esta é uma questão trazida por Daniel Munduruku ao lembrar que uma das perguntas que se faz a crianças nascidas dentro da lógica do pensamento ocidental é: o que você vai ser quando crescer?

Então ele diz: “entre os indígenas, a gente nunca faz essa famosa pergunta. Por que a gente nunca pergunta para uma criança indígena o que você vai ser quando crescer? A gente não faz essa pergunta porque a gente sabe de antemão que ela não será nada, porque ela simplesmente já é tudo o que precisa ser. E o que uma criança precisa ser? Criança”.

Nesse tempo circular, vive-se cada fase da vida como se fosse uma estação, como ele mesmo disse, que precisam do seu próprio tempo para surgir. Por essa razão, ao contrário de um tempo linear que sempre se vislumbra um futuro que ainda não pertence a ninguém, mas que o pensamento ocidental se debruça para dominá-lo, numa espécie de colonização do futuro, o tempo da circularidade se projeta do passado para o presente.

“Comecei minha fala dizendo isso: indígenas não são do passado, nós temos o passado como uma referência. Nós não somos também do futuro, o futuro é só ficção, o futuro é só uma possibilidade, não existe na real, portanto, nós não podemos ser de lá. Nós somos sobretudo seres do presente. Entre os indígenas só existe esses dois tempos: passado e presente. O passado é memória, o presente é o agora. O passado serve para nos lembrar quem somos, de onde viemos e o que a gente faz nesse mundo, e o presente é para a gente viver tudo isso. Nós só podemos viver tudo isso: o aqui e o agora”, ressalta Daniel Munduruku.

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